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Artigos e livros

Convite à reflexão no Dia Mundial de Conscientização do Autismo

By 31 de março de 2022No Comments

 

Por Cristina Keiko*

Em lembrança ao dia 2 de abril, marcado como Dia Mundial de Conscientização do Autismo, convido à leitura da obra Arthur, um autista no século XIX.  Trata-se do primeiro romance escrito pela professora Maria Cristina Kupfer, do Instituto de Psicologia da USP, publicado em 2020. No livro, a autora apresenta uma outra visão do autismo e explora, de forma romanceada, sua trajetória como pesquisadora e psicanalista no tratamento do autismo infantil por mais de 30 anos. A fundação do Lugar de Vida – Centro de Educação Terapêutica, as pesquisas acadêmicas e as práticas que lá orientou, demonstram também o cuidado que a autora sempre teve em sustentar um lugar singular para as crianças consideradas autistas, em detrimento das nomenclaturas que lhes foram dadas pela medicina ao longo da história e das técnicas de tratamento e de reeducação que lhes foram impostas.

A distância no tempo e no espaço é uma tentativa de oferecer certo recuo ao leitor, permitindo que ele veja um autista de uma perspectiva diferente daquela organicista, reducionista e adaptativa, dominante nos dias atuais. 

Para Roberto Pompeu de Toledo (jornalista e escritor), “Cristina Kupfer escreveu um romance com o andamento e a sensibilidade do século XIX para tratar de um tema que vai assomar no século XXI. Com este trabalho mostra que, além de fina psicanalista, tem talento de escritora”.  Na visão da psicanalista Leda M. Fischer Bernardino (psicanalista), o livro é “uma combinação de conhecimento teórico-clínico, erudição e literatura. Uma viagem no tempo, que nos mostra o valor do verdadeiro encontro e da aposta na história daqueles que carregam a marca da diferença”.

A data remete a um momento importante de reflexão, especialmente sobre a importância da inclusão escolar. O número de crianças autistas que frequentam escolas comuns vem aumentando, mas está longe de atender à realidade e ainda enfrenta inúmeros desafios como a formação de professores e a adaptação de conteúdos. A cada ano o Lugar de Vida realiza uma edição do Projeto Escolas Protagonistas, que reúne escolas por meio de seus educadores, professores e demais profissionais, para discutir grandes linhas de ação para escolas inclusivas, partindo de princípios éticos e teóricos da psicanálise, como a noção do aluno-sujeito, e propondo a ampliação do conceito de educação para auxiliar o aprendizado de crianças com entraves estruturais em sua constituição psíquica. Educadores, psicanalistas e pesquisadores são mobilizados ao longo de um ano de intensas atividades com o objetivo de contribuir para que essas crianças possam usufruir melhor da vida escolar, ampliando as possibilidades de estar com os outros e de aprender no grupo-classe. 

O Escolas Protagonistas traz evidências de conhecimento e de práticas consistentes que atestam os benefícios da inclusão, em contraposição a  iniciativas que preconizam a criação de escolas especializadas, que acabam por segregar e discriminar os alunos em condição de inclusão.

Este trabalho está em consonância com a construção de uma escola para todos e com a política de educação do país. Autistas são amparados pela Constituição Federal, pela Lei 12.764/2012 (Lei de Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista) e pela Lei no 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência) 

Com mais de 30 anos de atuação, o Lugar de Vida – Centro de Educação Terapêutica é uma instituição de referência no tratamento e acompanhamento escolar de crianças e jovens com diferentes tipos de problemas psíquicos, com o objetivo de possibilitar a sua inclusão na vida escolar e cotidiana. São muitas as terminologias utilizadas para definir crianças e jovens com problemas e sofrimentos psíquicos que dificultam o seu desenvolvimento e inserção social, entre elas necessidades especiais, entraves estruturais na constituição psíquica, deficiência mental, autismo, psicose e handicap mental. No Lugar de Vida, a singularidade própria de cada criança é respeitada e o desafio da inclusão é enfrentado com base no conceito e prática da Educação Terapêutica. A inclusão escolar, associada ao tratamento institucional e educacional, constitui-se como eixo de sustentação da Educação Terapêutica.

No Dia Mundial de Conscientização do Autismo, é preciso refletir sobre como reforçar caminhos que possam cada vez mais dar voz às crianças autistas. Caminhos que permitam que cada criança, dependendo de suas particularidades, possa ser engendrada em sua constituição e formação. 

* Cristina Keiko é doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano e sócia do Lugar de Vida – Centro de Educação Terapêutica

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